LIBERTAÇÃO

UM ESPAÇO DE LIBERDADE SEM ILUMINADOS E HIPOCRISIAS

domingo, outubro 30, 2005

Alentejanas traficam para colombianos

HÁ UM ano, a detenção de três alentejanas de meia idade e boas famílias, prestes a transportarem 400 quilos de cocaína da Venezuela para Portugal num avião privado, causou surpresa. Agora, o espanto é maior: Maria Margarida Mendes, 61 anos, empresária, e Maria Virgínia Passos, 57 anos, advogada, foram acusadas pelo Ministério Público em Portugal, não como meras traficantes mas como elementos de um cartel de droga colombiano, responsável pela entrada de grandes quantidades de cocaína na Europa, através da Venezuela. Este cartel conta, segundo a polícia, com a conivência de militares venezuelanos.A investigação da Polícia Judiciária portuguesa deu como provada esta relação, evidente na forma como «o grupo de Arraiolos», do qual Maria Margarida Mendes seria a cabecilha, teve o auxílio de vários militares, quando transportou sete malas de cocaína para Portugal, numa viagem à Venezuela, em Maio de 2004. O grupo já tinha feito duas viagens àquele país - uma em Maio e a outra em Setembro - antes daquela, em Outubro de 2004, no Citation X, na qual foram apanhadas e acabou por ficar detido também o piloto Luís Santos. O avião que alugaram na primeira deslocação, um Falcon 50, da companhia portuguesa Heliávia, ficou na zona militar do aeroporto da cidade de Guayana, guardado por soldados. As bagagens foram transportadas por quatro militares - um dos quais sargento - que cumprimentaram Margarida e os seus dois acompanhantes e os escoltaram das instalações militares ao avião, antes da partida.
O método de transporte escolhido para trazer a droga, quase inédito, prova a importância desta rede: só os grandes cartéis colombianos usam aviões, porque isso encarece muito o produto. Os três aviões alugados nesta operação custaram cerca de 100 mil euros cada um. Margarida, sozinha, não tinha meios para tanto. Empresária, trabalhara com câmbios e tinha desenvoltura para se meter com colombianos num negócio de droga, mas faltava-lhe o capital. Por isso funcionava como uma operacional. Tratava da logística e assegurava o transporte. Ia ela própria nos voos, uma espécie de «correio de luxo», aproveitando como disfarce o facto de ser uma sessentona aparentemente inofensiva. A distribuição da droga era feita através de Espanha por um colombiano do cartel. Na primeira viagem as malas com droga foram para Espanha de carro.
Um avião para comprar
Era o colombiano que pagava o aluguer dos aviões, como provam várias escutas de telefonemas entre ambos. Toda esta investigação começou, aliás, quando o motorista de Margarida, Arnaldo Menúria - detido em Portugal -, foi apanhado na auto-estrada Madrid-Lisboa, pela guarda civil espanhola, com 150 mil euros na bagageira do carro. O dinheiro era para pagar um dos voos e tinha-lhe sido entregue pelo colombiano. Menúria, de 39 anos, o «paquete de serviço» da rede, voltou a ser apanhado no aeroporto de Madrid, pelo mesmo motivo.
Na altura em que foi detida em Caracas, a ambição de Margarida Mendes ia alta: preparava-se para comprar uma companhia de aviação. Particular, de aviões pequenos, mas com autonomia para sobrevoar o oceano. Sem tripulações a fazerem perguntas, como aconteceu com a situação que a levou à prisão venezuelana. Na viagem anterior, com a Heliávia, correu tudo bem e ela ofereceu aos atónitos pilotos três relógios Breitling, no valor de 800 contos cada. Mas não evitou as desconfianças da empresa, que se recusou a fazer um segundo voo porque a organização não queria factura e exigia pagar tudo em numerário. Margarida não percebia de aviões, por isso encarregou dos voos Maurício Palha, piloto, ex-funcionário do INAC (detido em Portugal). Outro piloto, José Guilherme Pereira de Évora, ficou de encontrar a companhia a adquirir. José Guilherme teria aceite o negócio por se encontrar em grandes dificuldades económicas. Tivera uma empresa de aviação para a agricultura, a AgroAr, e depois uma empresa de carga, a Acef - onde trabalhara, por coincidência, o comandante do Citation X, António Smith -, mas estava cheio de dívidas. Logo à cabeça, Margarida pagou-lhe cerca de 40 mil euros.José Guilherme fez viagens, com e sem Margarida, a Manaus, Belém e Boavista, no Brasil, para negociações com uma empresa de aviação chamada Meta. Também foi a Georgetown, na Guiana, onde havia uma pequena companhia à venda. Ambos se deslocaram a Cabo Verde, plataforma da passagem de droga nesta rota das Américas, para comprar um armazém. Em Portugal, Margarida começou a ver preços de compra de aviões - estaria interessada no próprio «Citacion X», considerado o «porsche» da aviação privada. Mas tudo acabou precisamente por causa da sua ambição: logo na terceira viagem, tentou trazer droga a mais. Tanta que não cabia na bagageira do avião.
Catarina Carvalho (Expresso)
A queda da menina de boas famílias
Maria Margarida Mendes viveu uma infância tranquila no pequeno povoado de Bardeiras, a 12 quilómetros de Arraiolos. Os pais tinham uma quinta de 30 hectares e prédios no Vimieiro. Margarida era vaidosa, ambiciosa e namoradeira, segundo colegas. Para satisfazer-lhe o capricho de estudar em Setúbal, os pais venderam os imóveis do Vimieiro e instalaram-se na cidade, onde abriram uma pensão. Margarida não se distinguiu nos estudos. Casou e teve três filhos. Depois de uma ausência prolongada, voltou a Arraiolos há uns anos. Tomou como motorista, Arnaldo Minúrias - também arguido no processo - filho dos caseiros e que a acompanhava por todo o lado. Às pessoas do povoado que estranhavam a vida faustosa que levava, dizia que tinha negócios com empresários do Norte do país. Agora, queria transformar a casa dos pais num turismo rural.
Entretanto comprou um pequeno armazém, numa terreola chamada Ilhas, onde montou uma loja de antiguidades, na maioria dos dias encerrada. Foi nestas andanças que Margarida conheceu Virgínia Cidade Passos, licenciada em Direito, de uma família tradicional arraiolense que fez fortuna na indústria metalomecânica. Viúva de um antigo bancário, e com o negócio da família falido, Virgínia deu novo rumo à vida na advocacia. Com poucos clientes, acabou por envolver-se em ilegalidades, e a Ordem suspendeu-lhe a cédula profissional. Tornou-se conselheira de Margarida. Passaram a ir muito a Espanha, com e sem Menúria. Depois de o motorista ter sido apanhado com dinheiro, sentindo o perigo, Margarida abandonou a quinta e voltou à casa de Setúbal, levando consigo a mãe. De novo a propriedade foi deixada aos cuidados dos pais do motorista. Os seus contactos com Virgínia Cidade passaram a ser feitos através da utilização de cabinas telefónicas públicas e telemóveis comprados em hipermercados, sem registo. Assim concertaram a viagem à Venezuela.
José Frota (Expresso)

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