LIBERTAÇÃO

UM ESPAÇO DE LIBERDADE SEM ILUMINADOS E HIPOCRISIAS

domingo, outubro 30, 2005

Políticos a salvo

OS AUTARCAS que foram eleitos em 9 de Outubro anteciparam a tomada de posse para evitar cair sob a alçada da lei de José Sócrates que lhes retira regalias, nomeadamente a contagem a dobrar do tempo de exercício do cargo para efeitos de reforma, um direito até agora reconhecido aos autarcas com pelo menos seis anos em funções. O esquema foi possível porque a lei, aprovada a 15 de Setembro, demorou 19 dias a sair da Assembleia da República, levando a que, depois de promulgada pelo PR, apenas fosse publicada exactamente no dia seguinte ao das eleições autárquicas. Ainda assim, se a lei entrasse imediatamente em vigor, no dia 10, seria impossível aos autarcas anteciparem-se aos seus efeitos. Só que nem o Governo nem a AR se lembraram de determinar que a Lei 25-A/2005 vigorasse no dia da publicação, ao contrário do que aconteceu quando, por várias vezes, se conferiram novos direitos aos políticos. Não tendo aposto qualquer artigo sobre a entrada em vigor, funciona a «vacatio legis» de cinco dias no Continente e 15 nas Regiões Autónomas. Évora e Celorico de Basto estão entre os casos dos que conseguiram tomar posse antes, numa pressa inédita cuja explicação deixa muitas dúvidas.
Mas, pior do que isso, muitos autarcas acreditam que a lei só entrará em vigor a 1 de Novembro. Porque o Estatuto dos Eleitos Locais, republicado em anexo no final da Lei 25-A/2005, conserva o artigo 28.º que determina: «A presente lei entra em vigor no dia 1.º do mês seguinte ao da sua publicação». Por causa deste artigo, uma «febre» de tomadas de posse assolou o país. Em Lisboa, Carmona Rodrigues antecipou a posse uma semana.O Governo, reconhecendo terem sido levantadas «dúvidas», veio entretanto afirmar em nota da Presidência do Conselho de Ministros que a «republicação em anexo» do Estatuto dos Eleitos Locais «não produz qualquer efeito quanto à entrada em vigor da lei» que agora vem restringir direitos dos autarcas.Mas fica por esclarecer por que razão nem o Governo nem a AR revogaram o dito artigo. O constitucionalista Jorge Miranda entende que «mais valia que se eliminasse a antiga norma na republicação, ou então que se tivesse disposto que a nova lei entrava imediatamente em vigor». Embora admita que a interpretação do Governo é a mais correcta, diz que «eventualmente haverá debate jurídico» que poderia ter sido evitado.
Outro constitucionalista ouvido pelo EXPRESSO, Marcelo Rebelo de Sousa, vai mais longe nas dúvidas legais. O professor não acredita que tenha havido «distracção num diploma que demorou tanto tempo a elaborar»,
«NORMALMENTE a republicação de um diploma legal alterado, incorporando as alterações, não implica o tomar-se em consideração disposições originárias sobre a sua entrada em vigor. E, por isso, é frequente que, ao alterá-lo, se revoguem essas disposições.
O estranho neste caso é que a Assembleia da República tenha expressamente revogado o artigo 33.º da Lei n.º 4/85 de 9 de Abril, sobre a sua entrada em vigor, e não tenha revogado o artigo 28.º da Lei 29/87 de 30 de Junho, relativa à entrada em vigor deste diploma. Esta curiosa dualidade de critérios, certamente não devida a distracção num diploma que demorou tanto tempo a elaborar, é a fonte das dúvidas sobre se o tal artigo 28.º serve para alguma coisa, ou seja, se serve para que as alterações à Lei 29/87, sobre o Estatuto dos Eleitos Locais, apenas entrem em vigor em 1 de Novembro próximo».
Também Gomes Canotilho põe em causa a técnica legislativa, embora considere que a data do diploma republicado «não tem efeitos agora».
A marcha no Parlamento do diploma que retirou regalias aos políticos foi longa, depois da sua aprovação (com a abstenção do CDS) a 15 de Setembro: só saiu da AR 19 dias depois.
Falta de cuidado?
Durante oito dias esteve na 1.º comissão, para redacção final. O comunista António Filipe, membro desta comissão diz «que podia não ter demorado tanto tempo», considerando porém «que não foi excessivo». Por seu lado, o presidente da comissão, o socialista Osvaldo Castro, diz que «este processo não podia ter nem menos um dia», esclarecendo que o diploma foi «no dia 28» enviado para o Gabinete de Jaime Gama. O presidente da AR levou até dia 4 para mandar o diploma para Belém.Sobre a controvérsia da data da entrada em vigor, Osvaldo Castro diz: «Eu admiti que podia dar confusão», acrescentando que «o Governo podia ter tido o cuidado de tirar a data de entrada em vigor» no republicado Estatuto dos Eleitos Locais. Osvaldo Castro desvaloriza porém os feitos desta opção.
Manuel Agostinho Magalhães (Expresso)

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