LIBERTAÇÃO

UM ESPAÇO DE LIBERDADE SEM ILUMINADOS E HIPOCRISIAS

domingo, outubro 30, 2005

O amigo iraniano

O EURODEPUTADO socialista português, Paulo Casaca, tem como assistente parlamentar Firouz Mahvi, cidadão britânico, membro do Conselho Nacional da Resistência do Irão (CNRI), braço político dos Mujahedin-e Khalq (MEK), os Mujahedines do Povo, organização classificada de terrorista pela União Europeia e pelos Estados Unidos. Washington considera mesmo que o CNRI é «parte do MEK».
De acordo com o sítio do Parlamento Europeu, Mahvi, que aparece citado em vários órgãos de comunicação social internacionais como «porta-voz» do CNRI ou «membro do comité para as relações externas» da organização, é um dos três assistentes que trabalham para o parlamentar açoriano, além de duas cidadãs portuguesas.
Contactado pelo EXPRESSO, Paulo Casaca confirmou a contratação de Mahvi, ocorrida este ano («apesar de trabalhar com ele há mais tempo»), e manifestou «surpresa» pelo interesse suscitado pelo facto de ter como «consultor sobre o Médio-Oriente uma pessoa de nacionalidade inglesa e efectivamente ligada à resistência iraniana, que reputo de primeiríssima qualidade». Casaca fez ainda questão de revelar detalhes do contrato, válido até ao final de 2005: «São 4 mil euros, mas vou tentar aumentá-lo para 6 mil».
Eurodeputado desde 1999, Casaca é oriundo dos Açores e a sua actividade parlamentar tem girado essencialmente em torno de questões relacionadas com o arquipélago, mas também de política regional, pescas e agricultura. No entanto, o parlamentar socialista é igualmente membro da delegação parlamentar para as relações com o Irão, preside ao «Grupo de Amigos do Irão Livre» e tem sido um dos mais activos opositores ao regime de Teerão, com uma profusa participação em debates sobre o tema, realização de intervenções em plenário e defesa activa da remoção do MEK da lista europeia de organizações terroristas, precisamente uma das principais reivindicações do CNRI.
O MEK foi incluído desde o início na lista de pessoas, entidades e organizações terroristas da União, publicada no dia 2 de Maio de 2002, uma das medidas do arsenal antiterrorista comunitário desenvolvido na sequência dos atentados de 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos. No entanto, a decisão do Conselho de Ministros da União ressalva que esta decisão não abrange o CNRI. O EXPRESSO apurou que houve pedidos nesse sentido, mas que alguns Estados-membros se opuseram à inclusão do CNRI. De acordo com uma fonte diplomática europeia, a recusa foi justificada com a necessidade de «manter aberta uma janela para o diálogo político» com estas entidades.
EUA sem dúvidas.
Quem não tem dúvidas de que o CNRI e o MEK são duas faces da mesma moeda é o Departamento de Estado dos EUA. Fontes daquela entidade contactadas pelo EXPRESSO confirmaram que o MEK faz parte da lista de «organizações terroristas estrangeiras» desde 1997, decisão confirmada em 2001. Posteriormente, a ordem executiva 13224 de 15 de Agosto de 2003, assinada por Colin Powell, acrescentou o CNRI e o Conselho Nacional de Resistência (CNR), por considerar que se tratam de «aliases» do MEK. De acordo com afirmações feitas nessa ocasião por Tom Casey, então porta-voz do Departamento de Estado, a decisão de incluir o CNRI e o CNR «foi baseada em informações de várias fontes de que aquelas entidades funcionam como parte do MEK e apoiam os actos terroristas do MEK».
Para o eurodeputado açoriano, esta questão deve ser tratada no «devido contexto», ou seja, a «ausência de unanimidade» quanto ao carácter terrorista do MEK, alegação que considera ser «totalmente falsa». E evoca uma investigação conduzida pelas autoridades militares norte-americanas no Iraque, onde está baseado o MEK, que concluiu que «nenhum dos seus membros é terrorista», o que constitui uma «contradição vital» com a posição do Departamento de Estado.
O MEK é uma organização criada no início dos anos oitenta por opositores de Khomenei, que tomou o poder em Teerão em 1979, e que combate militarmente o regime dos ayatollahs a partir do Iraque, onde contava com a protecção e apoio de Saddam Hussein. Desde o derrube do ditador na sequência da invasão norte-americana de 2003, a organização iraniana manteve em funcionamento a sua principal base naquele país, Ashraf, a nordeste de Bagdade. O CNRI apresenta-se como seu «parlamento no exílio».
PE desconhece.
O EXPRESSO contactou o Parlamento Europeu que, por intermédio do seu porta-voz, o português Nunes Liberato, afirmou «desconhecer» a situação, mas diz que «do ponto de vista da instituição» considera a situação «transparente», uma vez que os nomes dos assistentes são públicos e por isso «susceptíveis de serem submetidos a este tipo de escrutínio». Segundo Liberato, para poder ser contratado, um candidato a assistente parlamentar tem que apresentar ao PE um atestado criminal ou uma «declaração de honra» do respectivo deputado, que garanta que a pessoa em causa «não constitui uma ameaça nem um perigo para a instituição».
Em prol dos mujahedin
PAULO Casaca tem utilizado nesta legislatura todos os instrumentos de intervenção política que os eurodeputados têm à sua disposição para defender o MEK e atacar o regime de Teerão pela sua política de armamento nuclear e organização dos atentados de 11 de Setembro.
Uma actividade que não se limita à tribuna parlamentar. Brevemente o parlamentar socialista apresenta em Paris, cidade onde se encontra a sede do CNRI, um livro de que é co-autor e que procura rebater as acusações de violação dos direitos humanos pelo MEK contidas num relatório recente da Human Rights Watch. Em Outubro de 2004, publicou no «Wall Street Journal» um artigo sobre uma das suas visitas à base do MEK no Iraque, intitulado «Poder do Povo à Moda do Irão».
Como prova da «absoluta transparência» que considera pautar a sua relação com o MEK, Paulo Casaca evoca a declaração dos presentes recebidos da «resistência» junto dos serviços competentes do Parlamento Europeu e acrescenta que «há ainda uns tapetes» que não teve tempo para incluir na lista. A declaração de presentes recebidos no desempenho das funções parlamentares é obrigatória para todos os membros do PE. O deputado explica a ausência de referências às viagens à base do MEK pelo facto de terem sido pagas «do próprio bolso».
Acima de suspeitas
PAULO Casaca apresenta Firouz Mahvi como seu «consultor» para as questões do Médio-Oriente e, como exemplo da natureza das suas funções, dá a organização de uma conferência sobre as ambições nucleares do regime iraniano, no próximo dia 9 de Novembro, nas instalações do PE, em Bruxelas.
Ciente das implicações da inclusão do MEK na lista negra das organizações terroristas, Casaca garante que, desde que trabalha para si, Mahvi não desenvolveu qualquer actividade em prol daquela organização. Mas questionado sobre se sabe se Firouz Mahvi pertence ou pertenceu aos Mujahedines do Povo, o parlamentar é menos taxativo: «Confesso que não fiz nenhuma investigação sobre o seu passado». Para logo acrescentar que tem «orgulho» em estar entre os primeiros eurodeputados a perceber a «falsidade» de tal classificação.
Este cidadão britânico de origem iraniana surge citado em diversos órgãos de comunicação social europeus e norte-americanos como porta-voz ou membro de órgãos dirigentes do CNRI, em acções desta organização levadas a cabo no Reino Unido, Áustria e Suécia, nomeadamente uma conferência de imprensa realizada em Viena, em Novembro de 2003, onde denuncia que as autoridades de Teerão enganaram deliberadamente os inspectores da Agência Internacional da Energia Atómica.
Daniel do Rosário, em Bruxelas (Expresso)

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