LIBERTAÇÃO

UM ESPAÇO DE LIBERDADE SEM ILUMINADOS E HIPOCRISIAS

quarta-feira, novembro 09, 2005

Coreia do Norte abre a porta a Harry Potter e Britney Spears, mas para uma elite

Audra Ang, Pyongyang

A estudante de 20 anos tem o ar de quem não percebeu. "Se ouvi falar de Harry Potter?", interroga, com um pastel de vegetais na mão, no Restaurante Amizade Cultural de Pyongyang, a capital da Coreia do Norte. "De que país é ele?. Quando a amiga se ri, Paek Su Ryon percebe finalmente. "Ah, o livro!", responde, a corar. "Gosto muito".Num país que nega aos seus habitantes o uso de telemóveis e reduz o acesso à Internet, e que avalia o grau de pureza ideológica de cada palavra impressa ou falada, o mundo mágico de Harry Potter está a tornar-se conhecido nos estratos superiores da sociedade. Como Britney Spears, o filme Titanic e roupas mais modernas.
"Há sem dúvida uma cultura jovem emergente em Pyongyang", afirma Brian Myers, norte-americano, professor assistente de Estudos Coreanos na Universidade de Inje, na Coreia do Sul. "Filhos e filhas de famílias bem relacionadas tem mais acesso do que os outros ao mercado negro de produtos culturais da Coreia do Sul, da China e do Ocidente. Estes estudantes começaram a imitar as roupas, os penteados e o calão da Coreia do Sul a um tal ponto que o partido [comunista] está preocupado.Para os jornalistas e professores que fazem raras visitas à Coreia do Norte, todas cuidadosamente planificadas, é quase impossível avaliar o impacto total da cultura pop naquele que é a mais vigiada sociedade do mundo. Mas encontros com jovens como Paek e a colega Yon Ok Ju, filhas de funcionários governamentais, encerram muitas surpresas.Paek tem um gancho azul no cabelo e um casacão beige e traz uma mala de plástico cor-de-rosa, num contraste gritante com a moda que prevalece na capital. No terceiro ano de Estudos Estrangeiros da Universidade de Pyongyang, estuda inglês, fala a língua com fluência e recebeu a incumbência, em conjunto com Yon, de fazer de tradutora para um grupo que visita os pontos de interesse histórico da cidade. Mas, às vezes, a conversa desvia-se para coisas mais fúteis.Fica a saber-se, por exemplo, que Paek é capaz de tocar ao piano o tema do Titanic, embora também seja fã dos Pochonbo Electronic Ensemble, um grupo pop em versão norte-coreana (Pochonbo, aliás, é o nome de uma aldeia onde Kim Il-Sung, o fundador do país, combateu os japoneses durante a Segunda Guerra Mundial, segundo a mitologia comunista). Além disso, Paek já leu Jane Eyre e Romeu e Julieta.Yon, filha de um funcionário do Comércio Externo, viveu na Índia durante três anos. Diz que prefere as séries, documentários e programas de viagens da televisão do Estado às coisas do ocidente: "Cada canção norte-coreana, cada filme, tem um significado. Os filmes e canções ocidentais não dizem grande coisa".Peter Beck, que trabalha em Seul para o International Crisis Group, um think-tank independente, conta que norte-coreanos que encontrou há pouco tempo em Pyongyang se mostraram "muito curiosos sobre música, sobre cultura... sobre política, sobre o que o Ocidente pensa da Coreia do Norte".
Na biblioteca central de Pyongyang, Beck viu milhares de livros doados por países estrangeiros e uma sala de música onde a oferta ia de Mariah Carey aos Beatles. Uma estudante confessou-lhe que já tinha ouvido uma canção de Britney Spears. Numa sala com computadores, Beck viu raparigas vestidas à moda a conversarem com amigas através de uma rede interna. "Não há uma cultura pop no sentido ocidental da palavra; toda a cultura é controlada pelo Partido dos Trabalhadores e subordinada a metas partidárias", esclarece Myers. "Mas a Coreia do Norte está agora numa fase pós-totalitária. Mesmo que o partido mantenha o controlo de todos os media, está a produzir mais filmes, programas de televisão e canções virtualmente desprovidas de conteúdo político".O líder do país, Kim Jong-il, é reconhecidamente um cinéfilo, patrocinador do Festival de Cinema de Pyongyang que, de dois em dois anos, permite a um grupo seleccionado assistir a filmes de proveniências distantes, como o Egipto, o Irão e a Argélia. O ano passado, por exemplo, o público pôde ver uma exibição de "Bend It Like Beckham", um filme britânico sobre uma rapariga que joga futebol - ainda que a fita tenha sofrido cortes (Publico)

CounterData.com

espresso machines
espresso machines Counter