LIBERTAÇÃO

UM ESPAÇO DE LIBERDADE SEM ILUMINADOS E HIPOCRISIAS

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Dez anos depois da revolução Bosman

Foi um desconhecido futebolista belga que, em 1995, acabou com as barreiras proteccionistas da FIFA e da UEFA nos regulamentos de transferências. Uma década depois, ainda se sentem os efeitos
A 15 de Dezembro de 1995, o Tribunal de Justiça das Comunidades, no Luxemburgo, deu razão ao futebolista belga Jean-Marc Bosman e considerou ilegal o regulamento de transferências que impedia os jogadores de ficarem livres no final dos seus contratos, por entender que era contrário às regras da União Europeia (UE) da livre circulação de trabalhadores no espaço comunitário. Na altura, federações e clubes falavam de catástrofe. Dez anos depois, o acórdão Bosman continua a ser, para uns, a razão de muitos males e, para outros, um marco histórico e inevitável."Alguns acreditavam que o futuro do futebol ia ser uma catástrofe, mas nós não. E tenho a impressão de que o futebol não está nada mal hoje em dia", afirmou à AFP o belga Jean-Louis Dupont, um dos advogados de Bosman durante os cinco anos em que este futebolista de poucos méritos lutou pelo direito de poder ser um jogador livre para poder assinar por qualquer clube depois de terminar o seu contrato.O caso transitou dos tribunais belgas para as instâncias comunitárias, onde Bosman triunfou e o seu caso criou jurisprudência, alterando profundamente o regulamento de transferências na Europa: a partir daquele dia, os clubes deixaram de ter receitas com jogadores em final de contrato e deixou de haver limites para o número de estrangeiros originários de países comunitários. "O desporto profissional, na qualidade de actividade económica, não está acima das leis", concluiu o Tribunal do Luxemburgo.A decisão deu origem a um aumento significativo do número de jogadores estrangeiros a jogar nas ligas nacionais, e com alguns casos extremos. No início deste ano, por exemplo, o Arsenal não tinha na sua lista de convocados jogadores do Reino Unido para um jogo frente ao Crystal Palace. Com o acórdão Bosman, os jogadores deixaram de ser reféns dos clubes, que já não podiam bloquear a saída de atletas em fim de contrato - que foi o que o Liege tentou fazer com Bosman. Passaram a ter maior poder negocial, não só na renovação dos contratos, mas também na hora de assinar por outros clubes. Por esta altura, a UEFA
desenvolveu um modelo diferente da Liga dos Campeões, oferecendo prémios monetários irresistíveis para os grandes clubes, que passaram a investir mais em salários e transferências.Dez anos depois, os organismos que tutelam o futebol mundial continuam sem conseguir engolir muito bem o acórdão. "Não será certamente a causa de todos os males que afectam o futebol europeu, mas acabou com as salvaguardas que os dirigentes da modalidade estabeleceram de forma consciente para preservar a natureza do futebol e prevenir a exploração", considera Lars Christer Olsson, director-executivo da UEFA, para quem o acórdão Bosman contribuiu para a perda de identidade dos clubes, para além de aumentar a circulação de dinheiro no desporto e acentuar as diferenças entre clubes grandes e pequenos.Para tentar atenuar os efeitos do acórdão Bosman sobre o que entende ser uma cada vez maior descaracterização dos clubes, a UEFA está a trabalhar numa proposta para obrigar os clubes a apresentar um limite mínimo de jogadores cuja formação tenha ocorrido no território nacional. Esta proposta pode gerar polémica e poderá ser vista como incompatível com as normas comunitárias, mas Olsson está confiante na implantação da medida: "Pensamos que está de acordo com a lei e nós temos um caso forte. Existe discriminação, mas vai forçar os clubes a assumir responsabilidade pelos jogadores jovens."
Jean-Marc foi quem menos ganhou com o terramoto a que deu origem
Segundo os relatos das agências internacionais, Jean-Marc Bosman recusou-se a conceder entrevistas para assinalar os dez anos desde a histórica decisão da justiça europeia no seu caso. Justificou o belga que não estava disposto a ser notícia em dia de aniversário e voltar a ser esquecido no dia seguinte. Afinal, foi Bosman quem, de forma indirecta, engordou as contas bancárias dos melhores jogadores do mundo, enquanto ele próprio, internacional belga nas selecções jovens, nunca passou de um jogador de terceiro plano e nunca enriqueceu com a decisão. Pelo contrário. Durante o processo, separou-se da mulher, teve de voltar a viver em casa dos pais e enfrentou graves problemas de alcoolismo e depressão. A fama não lhe permitiu dar o salto para um clube de maiores dimensões, acabando a carreira no final dos anos 90, sem nunca ter atingido especial destaque como futebolista. "Olho para as estrelas que ganham fortunas e penso que eles só conseguem renegociar os contratos graças a mim. Nunca pensei em ganhar muito, só o suficiente para ter uma vida decente", disse Bosman - a quem a UEFA chegou a oferecer dinheiro para desistir do processo -, que iniciou a sua luta em 1990, por o seu clube da altura, o RC Liege, não o deixar transferir-se para um clube francês, o Dunquerque, quando estava em final de contrato - o RC Liege queria renovar-lhe o contrato com uma redução de 75 por cento do salário. Bosman, formado nas escolas do Standard de Liege, tinha 25 anos na altura e, a partir do momento em que iniciou a sua batalha judicial, não jogou mais em clubes profissionais, passando os cinco anos seguintes a jogar em equipas amadoras francesas e belgas, até terminar a carreira em 1995, precisamente o ano em que o Tribunal do Luxemburgo lhe deu razão. Actualmente, vive em Bruxelas, sobrevivendo à custa das indemnizações que obteve em tribunal, vendo o seu nome, dez anos depois, amaldiçoado por uns e amado por outros.

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