LIBERTAÇÃO

UM ESPAÇO DE LIBERDADE SEM ILUMINADOS E HIPOCRISIAS

terça-feira, fevereiro 15, 2005

Ligações Perigosas

Assinado por um jornalista do Publicio (edição de Terça-feira, 15 de Fevereiro de 2005) foi publicado um texto ee opiniao que se recomenda. Nao por constituir uma novidade, mas porque fala do nosso mundo, dos blogs e dos novos desafios que eles colocam a uma comunicacao social que em Portugal continua arrogante e a julgar-se dona exclusiva da verdade e da coerência:

"Há meia dúzia de anos, quando a Internet já tinha invadido o mundo e ainda nos fascinava com as suas capacidades, um dos debates que irrompeu no jornalismo foi o do risco do seu desaparecimento, perante esta tecnologia que permitia que todos se transformassem em "jornalistas". A promessa da publicação ao alcance de todos estava presente desde os primeiros passos da Web, mas viria apenas a concretizar-se com os blogues.
Sempre pensei que o risco de extinção do jornalismo, a existir, não viria certamente da profusão de publicadores, já que o jornalismo não visa a reprodução mecânica da informação, mas sim uma selecção e validação da informação julgada relevante para que os cidadãos possam fazer escolhas conscientes. Ora essa função de selecção e validação, segundo critérios de rigor e independência, que estão no cerne da profissão de jornalista e do contrato social que mantemos, não se torna de forma alguma redundante com a profusão de informação, antes pelo contrário. A tarefa do jornalista, antes e depois da Web, continua a ser a procura da verdade e a sua divulgação (por muitos sorrisos cínicos que a palavra "verdade" possa suscitar).
É evidente que a facilidade de publicação da Internet constitui uma vitória da liberdade de expressão e enriquece o debate democrático, mas a livre troca de informações e expressão de opiniões não substitui a instância independente e arbitral que se espera que o jornalismo constitua. O que o cidadão espera do jornalista é que procure a informação, que seleccione os factos relevantes, que valide os dados e que os reporte com a máxima independência possível, sem defender interesses particulares. Espera-se ainda que o treino profissional do jornalista lhe permita separar a sua opinião dos factos e que, se quiser exprimir a primeira, o faça com lealdade perante o leitor, assumindo-o de forma clara (e só quando tal lhe parecer relevante para que o leitor forme a sua própria opinião). Lealdade é, aqui, um conceito-chave.
A Web tornou ainda menos clara a separação entre jornalismo e entretenimento (fenómeno que os tablóides e a TV iniciaram) e, entre muitas outras coisas, quase apagou a distinção entre jornalistas e não-jornalistas na produção de informação, o que desequilibrou a relação de poder entre os dois grupos, com consequências de sinais diferentes.
Os jornalistas viram-se de súbito imersos num universo mediático que não controlavam, que não tinha de obedecer a quaisquer regras de estilo, de validação, de separação de factos e opinião, de independência, de equidade, de garantia de contraditório, e que, para cúmulo, "et pour cause", conquistava uma parte crescente da atenção da sociedade. A tentação era demasiado grande.
Ao contrário do que as regras fariam esperar, ocorreu uma contaminação do jornalismo por estes discursos, "libertados" mais que "libertários", sedutores como um canto de sereia, onde tudo era possível, mesmo os ajustes de contas, sem o empecilho da deontologia.
Que os blogues tenham explodido não admira. Que tenham explodido entre os jornalistas também se percebe. Que a lógica displicente de produção de um blogue (que na origem é um diário pessoal) tenha penetrado no próprio jornalismo e no relato dos factos é mais grave. Mais do que relatores, os jornalistas tornaram-se comentadores, fontes de apartes, piscadelas de olho e cotoveladas cúmplices no leitor. Como esta campanha eleitoral mostrou à saciedade (mas já vem de longe), os jornalistas têm uma dificuldade cada vez maior em guardar para si próprios os seus sentimentos e conjecturas, as suas opiniões ou os boatos de que têm conhecimento e acham que eles merecem a glória do blogue, quando não da radiodifusão ou da impressão. Seria bom que a sociedade se lembrasse de que tem o direito não só de criticar mas de exigir aos jornalistas rigor e responsabilidade".

(www.publico.pt)

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